Rufus: quase humano.
Já que perguntaram, lá vai: e os meus comentários, o que dizer deles?
É verdade: eu sempre fui meio inspirado, principalmente por causa dessa questão do estímulo que um texto alheio me provoca.
Sou muito intuitivo, muito espontâneo, muito momentâneo, previsivelmente imprevisível no que escrevo...
Já perceberam?
O poema abaixo, por exemplo, eu fiz para Aquela que O Sabe, e o produzi em dois ou três minutos, porque eu havia escrito uma frase num comentário que me soou bem musical: “tanto de ti, ali”.
No ato, lembrei-me daquelas velhas quadras da medida velha utilizada por Camões na sua fase pré-clássica, que funcionava assim: a partir de um MOTE (um motivo), construía-se todo um poema, baseado nas suas possíveis variações temáticas ou jogos de idéias e palavras. O “mote” podia tanto ser próprio quanto emprestado (o chamado “mote alheio”).
Alguns leitores já conhecem o texto abaixo, por sinal. Teve até alguém que, distraído, sem perceber a brincadeira, perguntou-me: “poxa, muito legal esse poema. Foi Camões mesmo quem escreveu???”
E saiu mais ou menos isso:
À MANEIRA DE...
Camões (medida velha)
MOTE:
Tanto de ti, ali.
CANTIGA:
Tanto de ti, ali,
Tanto de mim, aqui...
Há, em mim,
um pouco de ti
que sempre quis meu.
E um pouco de ti,
em si,
que sempre me quis.
Agora o tenho.
Agora tu tens...
Tanto para chegar até ti,
e não venço a crueza
de mil léguas,
tão próximas a já sentir o frescor
de tuas negras madeixas.
E não me deixas,
malgrado a fome de viver,
e o amor que me tens.
Agora os sinto.
Agora tu vês.
Tanto de ti, ali, e acolá.
Tanto de ti em mim,
inundando-me,
fartando-me sem tréguas...
Quero só mais um muito
de ti, em mim,
nem que, para isso,
tenhas tanto ou mais de mim, aí...
Agora te amo.
Agora tu sabes...
(E é sempre bom lembrar que ela adorou o poema...)