Rufus: quase humano.
Quem nunca leu o livro
O Encontro Marcado, do Fernando Sabino, que atire a primeira pedra. Só eu já o li umas seis vezes na vida. A última delas foi este final de semana.
Ah, Sabino, testemunha e agente de uma geração de pequenos gênios artísticos e atormentados por dúvidas existências... Um dos livros mais belos e fascinantes sobre adolescência e amadurecimento, sobre o duro ingresso na vida adulta.
Claro que muitos que o lêem se identificam de imediato com as mazelas e infortúnios do protagonista Eduardo Marciano.
Com minha geração foi assim: líamos tanto esse livro, na adolescência, que chegávamos a recomendá-lo ao amigo mais próximo, numa espécie de propagando boca-a-boca, criando assim um círculo secreto de admiradores que perpetuavam a obra de Sabino.
Lembra-se, Fabião? Líamos o livro, comentávamos suas passagens, identificávamo-nos de imediato com seus personagens, suas dúvidas e histórias... Afinal, um dos temas centrais do livro era a amizade, a verdadeira amizade, aquela que não conhece barreiras de tempo ou espaço. Amizade genuína, pura.
Até hoje me pego a lembrar algumas passagens pitorescas do livro, que nós, os amigos de infância, da escola, repetíamos ritualmente sempre que nos encontrávamos: sentar numa mesa de um bar, por exemplo, e discutir sobre filosofia, sobre a vida, era “puxar angústia”. Se alguém convidava você para um chope e você começava a dar desculpas para não ir, bastava seu amigo dizer a senha mágica, à qual ninguém podia resistir: “não analisa não”. Pronto, lá íamos todos ao bar puxar mais angústia...
Eduardo Marciano tem muito de mim — e eu dele: dúvidas, angústia “da boa”, uma eterna inquietação pelas coisas e pelos seres, a busca (inútil?) pelo sentido da vida, um casamento infeliz, um idealismo que beira a infantilidade, de tão espontâneo, um caráter bom (apesar do egocentrismo latente...), mágico, misterioso, que, inexplicavelmente, sempre cativou as mulheres, a vontade de realizar tanta coisa na vida e, afinal, constatar que acabou realizando quase nada...
Deus nos deu alguns dons, mas não disse como fazer para desenvolvê-los.
Coisas do livra-arbítrio...
Eu, como Marciano, um “quase humano”, realizando tudo pela metade: metido a poeta, metido a escritor, metido a jornalista, metido a músico, metido a nada...
E o encontro marcado, ocorreu afinal? Somente o protagonista foi. Os outros estavam ocupados, “cheios de vida” demais para irem até lá...
E o último capítulo do livro de chama justamente “A viagem”. Eduardo Marciano, finalmente só — como sempre esteve, agora constata... —, portando uma única mala, pronto para viajar, perscrutar seu destino, sair à cata de respostas que sempre o atormentaram, sem nem bem saber para onde ir...
Porém, para ele — nós —, apenas isso importa: ir. Partir.
O resto?
Isso não importa tanto. A vida se encarregará do resto...