Rufus: quase humano.
Bateu a nostalgia por meus primeiros escritos nesse blog (comecei lá por junho...) e resolvi repostar aqui o primeiro poema de muitos que se seguiram. Para muitos, então, que não tiveram a chance de vasculhar meus arquivos, aqui vai uma pequena amostra.
Essa temática me é altamente introspectiva, e resume muito da questão do porquê estamos aqui: se apenas para aprendermos, ou para também ensinarmos, logo em seguida, o que nos foi ofertado...
O conhecimento é maior que todo e qualquer homem, mas todo e qualquer homem pode deter o conhecimento que quiser ou merecer...
O Ancião Infante
Não posso evitar que esse
vento carregado de medievalidade
me invada noite adentro,
e me deixe uma sensação de vetustidade.
Velho, barba aos joelhos,
e alquímico até os ossos,
pendem-se os grilhões dos
pulsos e tornozelos.
Meu lazer eterno é contar
as estrelas, noite após noite,
e sempre a perder a conta.
Meu consolo é a madrugada:
é quando as estrelas se põem,
à cata de novas irmãs,
e o sol irrompe atômico
a colina mais próxima.
Agora mesmo me castiga, aliado
à chuva sempre inimiga...
Um velho! Um pobre velho!
Um pedaço de passado sempre presente...
Contudo gemo, e calo,
que a dor é maior se
compartilhada; o pão
me falta, mas que me importa?
E ainda assim vejo pássaros
e folhas na poeira do poente,
amiga visão de olhos velhos.
Poente! Sempre a se pôr, e a se repor...
Oh morte, amiga dos loucos
e assassinados! Ainda vivo
e não a conheço, malgrado
o amor que lhe alimento!
Esquálida, a lua me fita,
e me inveja a sorte de
viver como se vive um velho:
amando a morte...
E o velho ama viver morrendo,
porque correm lentas e
dolorosas as horas, como os
cometas dos tempos primais.
"Meu bom velho, dizem as mariposas,
invejamos-te a claridade de
tua visão no escuro, e
a trevidade de teus lentos dias..."
Como ri o velho, ante tão
pequeninas formas, pérolas
da amena brisa noturna!
– E vai seguindo, também as invejando...
"Meu bom ancião, criança
adentrando a eternidade,
não te sentes carregado
de teus pesares e bondades?
Se tu eu fosse, deixava de lado
este fardo que trazes às costas,
e me assentava à sombra da árvore alguma
que surge em toda encruzilhada.
Lá, ouço o ar parado,
o pó suspenso, as folhas caídas,
o riacho translúcido,
e lhes indago o futuro.
Se a folha cai,
parto; se o ar se agita,
fico; se o pó se assenta,
medito; se o riacho silencia,
também me silencio.
E quando acaba o fruto
da árvore da vida,
não me preocupo em procurar
por outra: ali mesmo me fico
e deposito meus ossos.
Molhá-los-á a chuva,
castigá-los-á o orvalho,
o sol e as intempéries,
mas não me assustarei:
que me venham os anos vindouros
que tanto esperei por viver".
E assim caminhou o velho
até a sombra mais próxima,
onde, depositando seu fardo,
recostou-se à árvore alguma,
para só então ouvir o vento
e consultar o pó que
jamais se assenta, e
jamais se perde no ar...