Rufus: quase humano.
Somente a minha relação com a música já daria posts intermináveis, mas acho que não é esse meu propósito aqui, no momento. Quem teria paciência, afinal, para ler tanta coisa?
Vou contar, no entanto, um acontecimento muito significativo para mim no campo musical, que foi meu primeiro concerto “oficial”, ocorrido ano passado.
Poucos acreditam que sou violonista clássico autodidata. Mas é a pura verdade. Já sabia tocar violão quando, há quase 20 anos, resolvi pôr em prática minha curiosidade natural pela música clássica: comecei a ler um compêndio de teoria musical, o do Oswaldo Lacerda, e simplesmente, em apenas seis meses, estava lendo partituras, como num sonho antes inimaginável. Claro que minha familiaridade com música e o contato antigo com o violão me ajudaram muito, mas o fato de realizar em apenas seis meses o que muitos levam anos para conseguir foi algo que realmente me surpreendeu.
Pois bem. Meu trabalho realiza, anualmente, uma espécie de semana de talentos, e lá fui eu. Já havia participado no ano anterior, só que havia dividido os vocais com um amigo, cantando MPB. Foi legal, mas, como todo idealista que quer fazer algo diferente, valorizante, quis apresentar naquele ano apenas música soladas, no verdadeiro estilo clássico, universal. Começou aí meu erro...
Não adianta, gente: brasileiro não tem nem nunca terá cultura musical, no sentido amplo. Tudo bem que nossa cultura é variadíssima, motivo de orgulho, mas, no geral, é uma cultura “pobre” estilisticamente, à exceção de nosso legado instrumental e de nossa verdadeira e genuína MPB (que cada vez mais chamo de MIB: Música Impopular Brasileira, pois quase ninguém mais ouve...). Agora, que o povo daqui não pode ouvir um axé, um forró ou um pagode que já vai logo correndo atrás, isso é verdade, não neguem... rs...
Preparai-me, enfim, uns dois meses, decorando algumas peças que procurassem dar um idéia, a quem não conhece, do que são peças clássicas para este instrumento tão interessante e bonito que é o violão.
A coisa já começou mal pela escolha do dia: me colocaram num tipo de sarau, regado a comida e bebida. Se eu estivesse numa corte medieval, tudo bem, estaria dentro do contexto, mas em meio e pessoas que estavam ali só para comer e beber, fazendo estardalhaço, não ia dar certo nunca. Além disso, incompetentes me prejudicaram no som, deixando baixo o volume do violão.
Bem, podem ficar tranqüilos: toquei direitinho, fui bem elogiado depois. Mas, o tempo todo, a cada música, eu pedia silêncio a uma horda de gente inculta e ignorante, que não dava a mínima ao fato de toda a diretoria estar presente ao evento, a qual tentava (a indignação e o incômodo eram visíveis) assistir ao concerto. E quem tem um mínimo de cultura musical clássica sabe que é um verdadeiro sacrilégio quebrar o silêncio durante uma apresentação. Não existe coisa pior que isso. Mas cobrar de brasileiros o que não faz parte de sua rotina dá nisso...
Menos mal: depois do show, vieram me parabenizar pessoalmente, toda a diretoria e alguns amigos. Fiquei feliz, pois não fiz feio e o objetivo foi atingido: agradar a quem realmente aprecia música.
O que eu toquei? As seguintes peças: abri com o “Prelúdio” da Suíta Antiga, de Guido Santorsola, uma peça linda, triste, daí porque um pouco lenta. Continuei com uma peça mais animada, um Gavotte do Scarlatti, peça original composta para cravo. Depois, um prelúdio para alaúde do Bach – qualquer peça desse gênio da música dispensa maiores explicações, tal a beleza e a qualidade. Só o fato de eu poder tocar, trazer à vida músicas desse divino compositor já me faz sentir compensado por todos os infortúnios de ser um ser humano (ou um “quase humano”... rs...). Acho que concluí com as “Variações sobre um tema de Mozart”, do Fernando Sor, peça bonitinha, animada, rápida e envolvente.
Como disse, apesar dos furos da platéia, meu “primeiro” concerto oficial veio ao mundo. E mais deles virão – quem sabe um outro dia, com uma outra platéia...